segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Jovens voluntários colocam casas no lugar de barracos em Lauro de Freitas e Salvador

"Moro aqui há 26 anos e finalmente vou poder dividir a casa em dois quartos, sala e cozinha", comemora Roquelina da Silva, que trocou barraco por casa de madeira no quilombo Quingoma (Foto: Evandro Veiga)


O barraco em que a gari Roquelina da Silva, 36 anos, mora com os quatro filhos, em Quingoma, comunidade de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, não mudou de endereço, mas está de cara nova: além de paredes de madeira bem alinhadas, tem até divisão entre os cômodos. 

“Moro aqui há 26 anos e, finalmente, vou poder dividir a casa em dois quartos, sala e cozinha”, comemora. A família dela foi uma das 24 contempladas em um projeto de reconstrução de moradias precárias, que são transformadas seguindo um modelo internacional de casas emergenciais, ao custo unitário de R$ 5,5 mil a R$ 6 mil.


Voluntários trabalham na montagem de nova unidade habitacional no quilombo Quingoma, Lauro de Freitas
(Foto: Evandro Veiga)


Por trás do projeto, jovens voluntários da ONG Teto, que atua na Bahia há pouco mais de um ano. Em Quingoma, local que busca o reconhecimento do Incra como área remanescente de quilombo, os trabalhos foram desenvolvidos por cerca de 150 jovens, de 18 a 30 anos, entre 25 e 29 de julho. 


Segundo o diretor operacional da Teto na Bahia, o paulista Henrique Chan, 27, o projeto é voltado para famílias em situação de extrema pobreza que não recebem a devida atenção dos governantes. "Enquanto o setor público não consegue resolver, atuamos neste gargalo e agimos de forma concreta e rápida, resgatando a autoestima e dignidade dessas pessoas”, afirma.


Aproximação
Sem pedir autorização às esferas de governo, a porta de entrada da ONG são as visitas e assembleias com lideranças locais. Antes de partir para a ação concreta, os chamados chefes de escola são os responsáveis por estreitar os laços com os moradores. 


"Minha família aceitou. A casa está mil vezes melhor que o barracão que eu morava", diz Rafael Santiago que virou voluntário após receber ajuda de ONG (Foto: Evandro Veiga)



Os locais escolhidos quase sempre têm altos índices de violência, mas, de acordo com Chan, a Teto nunca teve problemas do tipo na Bahia - o projeto já levou novas casas a Periperi e Pau da Lima. “Como fazemos visitas de forma contínua, a comunidade nos aceita bem”, ressalta. 


A estudante de engenharia civil Bianca Pasini, 21, foi responsável pelos primeiros passos em Quingoma. “Viemos durante três meses, todo o fim de semana, aplicando enquetes que servem para conhecer as pessoas e traçar um perfil”, conta. Os moradores, antes receosos, passam a confiar nos voluntários após as primeiras ações. 


“O projeto dos meninos dá um belo exemplo. Nossa comunidade é esquecida”, afirma a líder comunitária Ana Lúcia Santos, 53. A partir do questionário, as famílias são selecionadas e convidadas a participar. “Fazemos a proposta e, se eles aceitam, assinam um termo de compromisso”, informa o voluntário Tércio Moura, 24. 


Contrapartida
O termo de compromisso estabelece a contrapartida que as famílias devem dar para ter suas casas levantadas. Entre elas, estão desmontar o barraco, arranjar um local para dormir durante a construção, deixar o terreno limpo, trabalhar junto aos voluntários na construção e pagar uma cota única de R$ 200. 


Voluntário em Quingoma, Rafael Santiago, 28, é morador da Vila Esperança, localidade de Pau da Lima visitada pela Teto em maio. Ele, os pais e sete irmãos tiveram a casa reconstruída e, agora, chegou a vez de retribuir. “Minha família foi uma das primeiras que aceitaram. A casa está mil vezes melhor do que o barracão que eu morava”, garante.


Estrutura
Com 18 metros quadrados, uma porta e três janelas, cada casa possui oito placas de madeira pré-moldada, uma manta térmica que alivia o calor e telhado de zinco. O tal conceito internacional de moradia de emergência prevê que a casa seja levantada de forma rápida, sem exigir capacitação técnica dos construtores. Sem chuva, uma unidade leva, normalmente, dois dias para ficar pronta. 


Divididos em equipes de 10 a 12 pessoas, cada casa tem dois líderes, também voluntários, que passam por treinamento na sede da empresa, em Salvador. Eles recebem um manual de construção, com orientações sobre montagem e questões de segurança, além de um curso para gestão de equipe.


COMO PARTICIPAR DA ONG E FAZER DOAÇÕES
Para virar membro da Teto ou contribuir financeiramente, é necessário entrar no site techo.org/países/brasil e preencher um cadastro. O contato também pode ser feito na sede da ONG, em Ondina. Em Salvador, a organização, que está presente em 19 países, já mobilizou mais de mil voluntários. No Brasil, desde 2006, já foram construídas 2000 residências


No primeiro dia, é feita a fundação e distribuição dos 15 pilotis (colunas de sustentação) em três colunas de cinco. Já no segundo dia, as paredes são encaixadas junto ao telhado, manta e telha. As unidades são removíveis e duram de cinco a sete anos, dependendo da conservação. 




O orçamento unitário já inclui a produção e transporte do material até as localidades. Para Quingoma, foi arrecadado, junto ao setor privado (maioria dos recursos) e pessoas físicas, R$ 100 mil. O valor restante (cerca de R$ 40 mil) veio de reservas da Teto, que afirma não receber recursos governamentais. 

Remanescente de quilombo, área contemplada está sob ameaça
Além do acesso precário a direitos sociais básicos como saúde, educação e transporte, denunciado por moradores de Quingoma, zona rural de Lauro de Freitas, as mais de 1.600 pessoas que lá vivem estão sob risco de remoção, por conta da construção da Via Metropolitana, estrada de 11 km de extensão, que vai ligar a rodovia CIA-Aeroporto à Estrada do Coco.

Uma comissão formada, em maio, por lideranças locais, governos municipal e estadual e diversas entidades buscou analisar os impactos sociais e ambientais que devem acontecer com as possíveis desapropriações, mas pouca coisa ficou definida. 

Em 2013, Quingoma ganhou a certificação de área remanescente de quilombo, da Fundação Cultural Palmares. No mesmo ano, foi aberto um processo no Incra que pede a titularização de área quilombola, o que garantiria, em tese, a permanência na área.



Famílias pagam só R$ 200. Unidades custam cerca de R$ 6 mil (Foto: Evandro Veiga)


“Temos acompanhado as articulações para acelerar o estudo antropológico e fundiário, necessários para o título. Mas o processo é longo e cada etapa pode demorar anos”, alerta Flávio Luis dos Santos, coordenador de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra na Bahia. 

Segundo a Bahia Norte, que administrará a via pedagiada, a área deve ser uma das últimas trabalhadas na obra, prevista para ser entregue em 2017. “Queremos desenvolver um melhor traço para aquela área”, afirma Clédson Castro, representante da empresa.

Questionada sobre a atenção reclamada pelos moradores, o secretário de infraestrutura de Lauro de Freitas, André Carvalho, disse que existem projetos relativos a habitação, pavimentação e transporte para o local. “Temos uma parceria com a Conder (governo do estado) para a execução de uma pavimentação da Estrada de Quingoma. O serviço fica pronto em um ano”, garante.

Ainda segundo ele, há escolas de ensino infantil e fundamental na localidade. Na área da saúde, informa que são feitas ações itinerantes para atender à população quilombola. 

Crea-BA permite construção sem autorização; Sucom não interfere
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), que fiscaliza o exercício ético-legal da Engenharia, permite que habitações de um único pavimento, sem laje, com até 80 metros quadrados e em áreas de interesse social, sejam construídas sem o acompanhamento de assistência técnica. 

O engenheiro civil Luis Edmundo lembra que habitações como as feitas pela ONG Teto em diversas localidades da Região Metropolitana de Salvador são também amplamente difundidas em outros locais do país, sem que haja objeção dos órgãos fiscalizadores.

Ele também comentou o modelo adotado aqui na Bahia. “O que achei interessante foi a proteção térmica no telhado, uma vez que na nossa região é comum que a população use telhas de amianto, o que causa um desconforto térmico no interior da habitação”, ressalta. 

Ainda de acordo com o engenheiro, apesar da pouca durabilidade da construção, a ação social é válida. “Pode não ser uma casa ideal para o que imaginamos, porém, não podemos ficar de braços cruzados esperando uma condição ideal que não vem. Pelo menos, temporariamente, a população beneficiada poderá usufruir de uma condição de vida mais digna”, analisa. 

De acordo com a Secretaria de Urbanismo de Salvador (Sucom), qualquer obra para ser autorizada precisa de alvará para construção, como consta na Lei 3.903/88. Entretanto, as casas seguem sendo construídas no lugar de habitações que já existiam.

“Não interferimos legalmente no terreno, pois não visamos uma expansão da comunidade em que atuamos”, explica Henrique Chan, diretor da Teto. Em Salvador, a entidade já reconstruiu 8 unidades na Vila Esperança, em Pau da Lima, e 8 na Cidade de Plástico, em Periperi. Este mês, o projeto volta à Vila Esperança e deve chegar à Fazenda Grande III. A quantidade de novas casas ainda é estudada.

Fonte: Correio da Bahia

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