Apresentação da comissão técnica: mapa de limites oficiais é contestado por Lauro de Freitas
A reincorporação da praia do Flamengo passou a ser reivindicada pela prefeitura de Lauro de Freitas na discussão dos limites com Salvador. Uma proposta entregue à Assembleia Legislativa em 16 de agosto, “retoma a sua [dos limites] origem na foz do Riacho do Flamengo, no Oceano Atlântico”, tal como traçado na emancipação do município, em 1962. São 3,6 Km da orla de Lauro de Freitas, incluindo boa parte de Ipitanga, que em 1969 foram anexados a Salvador por uma lei estadual.
A prefeitura não só quer o Flamengo de volta, como toda a área da praia de Ipitanga e do loteamento Marisol – áreas cedidas à administração de Salvador em 2014 por meio de acordo entre técnicos, firmado pela gestão municipal anterior. Legalmente, desde 1969 o território todo pertence à capital, mas estava em disputa na Assembleia Legislativa, que começou a tratar da redefinição desses limites em 2007.
A atual proposta para os limites, produzida pela comissão técnica composta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão do Governo da Bahia, reflete o acordo anunciado em dezembro de 2014 pelo diretor-geral da SEI, Geraldo Reis. O documento final, entretanto, nunca teria sido apresentado.
FALTOU ASSINAR
Na última reunião da Comissão de Assuntos Territoriais da Assembleia, em agosto, a prefeita Moema Gramacho (PT) pediu o documento da “pactuação” que teria cedido Ipitanga, “até para poder contestá-la”. O vereador Antônio Rosalvo (REDE), que era presidente da Câmara Municipal na época, afirmou ter solicitado o documento à prefeitura, sem nunca o ter recebido. “O que me explicaram é que faltava a assinatura do prefeito de Salvador”, conta Rosalvo – “Ipitanga não foi cedida a ninguém, nem Areia Branca nem área nenhuma”.
O acordo foi firmado entre representantes técnicos dos dois municípios, depois de uma série de visitas a campo e discussões sobre as demandas das duas partes – mas ainda seria apresentado aos prefeitos para validação.
Na época, o diretor geral da SEI, Geraldo Reis, que mediou as conversas, afirmou que a proposta foi acolhida por Sergio Guanabara, chefe de gabinete da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo de Salvador e por Eliana Marback, secretária de Planejamento e Gestão Urbana de Lauro de Freitas naquele ano.
Historicamente, o município que sempre prestou serviços a Ipitanga, incluindo o loteamento Marisol, foi Lauro de Freitas. Mas mesmo antes de ter sido anunciado o acordo entre técnicos, a prefeitura de Salvador já tinha assumido os serviços públicos e começava a fazer investimentos em infraestrutura – criando um fato consumado enquanto corriam as visitas a campo.
Em outubro de 2014 já havia uma placa no Marisol anunciando “intervenções de recuperação” promovidas por Salvador. A área recebeu melhorias na iluminação com a reposição de braços e lâmpadas nos postes, uma “operação tapa-buracos” e a poda das árvores, sob responsabilidade da Superintendência Municipal de Conservação e Obras Públicas da capital. Passeios foram recuperados e a microdrenagem revisada.
Além de abrir nova divergência em relação ao Flamengo e colocar Ipitanga novamente em questão, a cidade também reivindica manter o Barro Duro “até a nascente do riacho Cantagalo”, ao contrário do que propõe a comissão e do que teria sido acordado com Salvador. Lauro de Freitas quer também incorporar toda a faixa a leste da BA-526, a rodovia Cia-Aeroporto – incluindo o Jardim das Margaridas.
Numa época em que a região era desabitada, os limites oficiais, datados de 1969, deixaram em território de Salvador uma faixa de mil metros a leste do eixo da estrada. Agora a comissão técnica propôs partilhar a maior parte dessa faixa com Lauro de Freitas, seguindo a linha do rio Itinga, mas recortando a área da Quinta Portuguesa, que continuaria em território da capital. Ficariam divididas Itinga, o Parque São Paulo e o Capelão.
Na faixa da Cia-Aeroporto, o único ponto coincidente entre a proposta da comissão técnica e a nova proposta de Lauro de Freitas diz respeito ao território de Areia Branca, integralmente incorporado ao município que sempre administrou a área – princípio que norteia o processo de redefinição de limites em todo o estado.
METRÔ
Na faixa limitada pelos muros da Base Aérea da Aeronáutica, comissão técnica e prefeitura estão de acordo – mas o município contesta parte do mapa dos limites oficiais em vigor, apresentado na proposta oficial. De acordo com o mapa, a área em que está sendo construída a estação Aeroporto do metrô é território de Salvador.
Reunião da comissão da Assembleia: plenário tomado por vereadores de Lauro de Freitas
O memorial descritivo da nova proposta de Lauro de Freitas anota que “o limite da legislação está de acordo com o mapa apresentado”, mas defende a existência de uma desconformidade em relação à entrada do município, “que já estava definida no limite do Rio Ipitanga”. Em diversas ocasiões públicas a prefeita Moema Gamacho tem afirmado que a estação Aeroporto do metrô está em território de Lauro de Freitas.
A lei de limites de 1969 estabelece que o traçado segue pela “linha divisória da área militar” até o que viria a ser a Estrada do Coco. Ocorre que ao longo dos anos a Base Aérea de Salvador recuou seus muros, cedendo área ao poder público: os limites municipais teriam avançado em função desse recuo. E Lauro de Freitas efetivamente ocupou o trecho, construindo a avenida 2 de Julho.
A área da estação Aeroporto constava do acordo anunciado em 2014 pelo diretor-geral da SEI como uma das parcelas cedidas por Salvador a Lauro de Freitas. O traçado oficial, em vigor, apresentado pela comissão técnica, corresponde ao do mapa de limites municipais da SEI de 2009, que anota “imprecisões e/ou omissões que necessitam de correções” na lei municipal. A avenida 2 de Julho ainda não constava dos mapas.
ENGAVETADO
A precisa definição dos limites atuais pode se tornar relevante caso o projeto de lei que revê os limites entre as duas cidades nunca venha a ser votado. De acordo com o deputado Ângelo Coronel (PSD), presidente da Assembleia Legislativa, nenhuma proposta irá a plenário até que haja acordo entre as duas prefeituras.
Em entrevista à Vilas Magazine, Ângelo Coronel explicou que se trata de “uma praxe da Casa” tratar de limites sempre por acordo entre as partes. “Nós só vamos colocar para votar se houver acordo entre os gestores dos dois municípios”, garantiu – se não houver acordo, “o projeto fica engavetado”.
O deputado Ângelo Coronel (segundo, a partir da esq.), presidente da Assembleia Legislativa, com Diego Coronel (dir.) e os vereadores de Lauro de Freitas Antônio Rosalvo, Decinho e Coca Branco (da esq. para a direita): em busca de um acordo
O deputado mencionou a anulação da lei que já havia redefinido os limites entre Catu e Pojuca, votada na transição entre presidentes da Assembleia. Como não houve acordo prévio, “entramos agora com nova lei anulando essa que aprovou os novos limites”, disse. Na ausência de consenso, a proposta da comissão técnica do IBGE e SEI pode acabar norteando decisões judiciais.
O presidente da Assembleia tratou do assunto durante reunião com os vereadores Antônio Rosalvo, Decinho (PRB) e Coca Branco (PPS), de Lauro de Freitas, que foram pedir apoio para a proposta do município, levados ao gabinete por Diego Coronel. A eles, o deputado prometeu falar com as partes para “buscar um acordo o mais rapidamente possível”.
Há pistas, mas ainda não se conhece posição formal de Salvador em relação às duas propostas. Se quiser manter o atual território ou perder apenas o que já teria cedido no acordo, basta que a capital nada faça. Moema Gramacho pediu que, na falta de consenso, se faça um plebiscito – que também pode influenciar decisões judiciais.
A Constituição da Bahia de 1989 prevê desfecho diferente. No “Ato das Disposições Transitórias”, o artigo 58º deu 120 dias para se criar uma comissão que iria “proceder à fixação dos limites demarcatórios” entre os dois municípios. E determinou prazo de um ano – esgotado há mais de 26 anos – para resolver o assunto. “Se os trabalhos não estiverem concluídos, por acordo ou arbitrariamente, caberá ao Estado determinar os limites das áreas litigiosas”, reza o parágrafo único. O trecho foi exibido pela comissão técnica na apresentação da proposta oficial.
O vereador Luiz Carlos (PRB), presidente da Comissão de Planejamento Urbano da Câmara Municipal de Salvador, era o único representante da capital na última sessão da Comissão de Assuntos Territoriais. Sem se comprometer com qualquer posição em relação às reivindicações de Lauro de Freitas, o vereador soteropolitano limitou-se a pedir cópia das propostas apresentadas em agosto. Para ele, “o foco deve estar no que é melhor para a população”.
Um novo projeto de lei que visa reordenar Salvador, apresentado em junho, fornece pistas sobre o que a prefeitura da capital pensa sobre o assunto: Itinga e Areia Branca foram listados como bairros. Já o Barro Duro, que seria entregue a Salvador, não está entre as futuras 163 unidades administrativas. O mesmo projeto trata de incorporar Ipitanga ao bairro de Stella Maris.
Sem deputados em número suficiente para garantir quórum, o auditório estava tomado por metade dos vereadores de Lauro de Freitas, lideranças comunitárias e representantes do primeiro escalão da prefeitura que foram acompanhar a prefeita. Há uma “Comissão Especial de Divisão Territorial” na Câmara Municipal acompanhando o assunto.
A deputada Mirela Macedo (PSD), eleita vice-prefeita na chapa de Moema Gramacho em 2016, hoje membro da Comissão de Assuntos Territoriais da Assembleia, defendeu a reincorporação do loteamento Marisol, bem como a faixa de orla de Ipitanga – assim como todos os presentes. A reivindicação do Flamengo, que consta do memorial entregue à Assembleia, não foi explicitada.
O debate na Comissão Especial de Divisão Territorial da Assembleia Legislativa sobre os limites entre Lauro de Freitas e Salvador foi iniciado em 2007, quando a prefeita Moema Gramacho (PT) solicitou uma verificação, levando à realização de uma audiência pública. Ancorado na Lei Estadual 12.057/2011, o projeto de Atualização dos Limites Intermunicipais da Bahia é fruto de parceria entre a SEI, representante do poder Executivo e responsável pela coordenação do trabalho, o IBGE e a Comissão Especial de Assuntos Territoriais e Emancipação da Assembleia Legislativa.
Por Redação Vilas Magazine
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