Ação humana degrada as matas ciliares e compromete o rio
No fundo da residência da dona de casa Maria das Graças Pereira, 67, corre um riacho. A força da água hoje em nada lembra o que era o rio Jenipapo quando ela chegou a São Sebastião do Passé, há cerca de 30 anos. "Era um senhor rio. A gente não tinha condições de descer para pescar do lado porque era muita água. Faltavam quatro dedos pra chegar na ponte".
O Jenipapo é um dos afluentes do rio que é responsável por cerca de 40% do abastecimento da água de Salvador, Simões Filho e Lauro de Freitas: o Joanes.
Em uma série de reportagens especiais, A TARDE segue o curso d'água do rio e mostra, nos diferentes municípios que compõem sua bacia, os principais problemas deste manancial considerado estratégico para o abastecimento da capital baiana.
Às vezes dá vontade de ir embora, mas, como eu já fiquei tão acostumada aqui, aí eu digo: 'Olhe, vou ficar aqui mesmo'. Mas sinto muita tristeza
Para dona Maria das Graças, o afluente e o rio são uma coisa só. O local onde ela mora, no distrito de Lamarão do Passé, é um dos pontos principais por onde passa o Joanes no município de São Sebastião do Passé, a segunda cidade visitada por A TARDE.
Dona Maria das Graças contou que antes havia muitos peixes, mas que, atualmente, só restou areia. Ao olhar hoje para o assoreado afluente, ela disse que só sente tristeza. "Às vezes dá vontade de ir embora, mas, como eu já fiquei tão acostumada aqui, aí eu digo: 'Olhe, vou ficar aqui mesmo'. Mas sinto muita tristeza".
É justamente no Jenipapo, localizado na divisa com Dias D'Ávila, onde ocorre um dos principais problemas que contribuem, segundo especialistas, para a degradação do Joanes: o descarte de resíduos domésticos e sanitários no curso d'água. Além dele, há ainda a destruição da mata ciliar do rio.
A maior parte dos dejetos despejados nele vem de casas que, segundo a prefeitura, estão em situação irregular e que não têm rede de esgotamento sanitário. O mesmo ocorre em Candeias (veja ao lado). Quem não tem fossa, como dona Maria, acaba por descartar no afluente, impactando no Joanes.
Descarte irregular
A analista de crédito Jeonice Sacramento, 37, mora em Lamarão desde que nasceu. Ela contou que já foi feito abaixo-assinado para que as ruas de barro recebessem calçamento e esgotamento sanitário. "Como não tem rede de esgoto, muitos moradores jogam no rio. A gente recebe até (carnê de) IPTU, mas como pagar se não tem nada em troca?".
"Tem morador que deixa dejetos dos porcos caírem no rio. A reportagem tinha era que falar com todo mundo para ver se tomam consciência e melhoram o rio. Mas não é só a população. Tem resíduo também da Caraíba Metais (a Paranapanema). Em alguns dias, a água fica com mau cheiro", reclamou a dona de casa Mônica Santos, 28.
A Paranapanema negou que despeje efluentes em qualquer rio da região. Eles são encaminhados, informou a empresa, para a Cetrel, responsável pelo "tratamento e disposição final dos resíduos do Polo Industrial de Camaçari". Em Lamarão, ela ainda destacou que desenvolve "campanhas e programas ambientais em escolas".
Jeferson e Mônica passeiam com a filha às margens do afluente
Assoreamento
Biólogo da Secretaria de Meio Ambiente de São Sebastião do Passé, a 75 km de Salvador, Raul Silveira Neto contou que a região de Lamarão, ponto de encontro entre o Jenipapo e o Joanes e que faz divisa com Dias D'Ávila, está assoreada. "A gente observa muita terra acima do nível da água. Tem muita areia, pegadas de animais que não deveriam estar pisoteando aqui dentro. Deveria haver um controle maior e as pessoas terem consciência. Tem fezes de animais. Isso tudo tem impacto de certa forma no rio", afirmou.
Silveira Neto, que faz parte do conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga, afirmou que alguns imóveis no local estão dentro da Área de Proteção Permanente (APP) do Rio Jenipapo. "Deveria ter a distância de 30 metros da margem do rio. (Os moradores) estão jogando seus efluentes para dentro dele", acrescentou. Há ainda, segundo ele, impacto da criação de búfalos e pastagens para bovinos na região.
O Joanes não passa pela zona urbana de São Sebastião do Passé. Além do distrito de Lamarão, ele corre próximo à entrada de Cinco Rios, outro distrito da cidade, conhecido como Maracangalha. Passa também por baixo da BR-324, na divisa entre São Sebastião e Candeias. Nestes dois pontos, segundo Silveira Neto, o nível da água está baixo e há uma degradação histórica da mata ciliar.
"Aqui já chega com pouca água. O rio passa por propriedades rurais que não cuidam, desmatam ou que prejudicam muito a mata ciliar. Mas não é só ele. Há diversas atividades que historicamente vêm interferindo. Esse oleoduto, por exemplo, quando foi implantado há muitos anos, deve ter interferido", acrescentou Silveira Neto, apontando para um oleoduto da Petrobras que passa por cima do rio, próximo à entrada de Maracangalha. A Petrobras informou que realiza inspeção e manutenção de suas instalações, além de monitorar a qualidade da água e atividades de educação ambiental.
Soluções
Como solução para o problema que é compartilhado com outros municípios, o biólogo destacou a necessidade da ampliação da rede de esgoto e o plantio de árvores da mata ciliar. "A mata ciliar protege a água. Evita a evaporação mais rápida com a incidência do sol. Protege a terra para não assorear, para não cair. Se tivesse toda essa mata ciliar em todo percurso do rio, acho que ele estaria bem melhor, mais protegido e mais limpo".
Questionado sobre a quem caberia a responsabilidade de fiscalizar para evitar novas retiradas de mata ciliar e o descarte de resíduos no rio e afluentes, o biólogo respondeu que é função do município e do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). "A gente, sempre que pode, acompanha. Qualquer denúncia a gente acompanha, fiscaliza. Tenta falar com os proprietários", disse. Segundo ele, também são feitas ações de "conscientização ambiental".
Diretor da Oscip Rio Limpo e militante da área ambiental, Fernando Borba criticou a gestão de municípios e do governo do estado sobre a bacia do rio Joanes. "É insuficiente. Embora tenham secretarias, há carência de recursos. Não tem infraestrutura. Pela lei das águas, cabe ao município uma fiscalização dos trechos que passam na cidade. Mas isso vale para o estado também. Só que o município está mais próximo". Sobre os problemas verificados em São Sebastião do Passé, o gestor da APA, Geneci Bras, afirmou que não existe ação específica por município. "A gente toma como base a região da APA. É um conjunto de ações".
Embasa aguarda plano municipal
A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) informou que não opera um sistema de esgotamento sanitário em São Sebastião do Passé, mas que atende somente a 928 domicílios da cidade. A ampliação do serviço depende de um plano municipal de saneamento básico, que está sendo elaborado pela prefeitura.
Este plano, ainda segundo a Embasa, é necessário para que sejam estabelecidas as diretrizes para ampliação da cobertura de atendimento e para a prestação dos serviços de coleta, tratamento e destinação dos esgotos domésticos de todas as áreas do município.
Sobre o descarte de esgotos em afluentes, a Embasa informou desconhecer a situação. “Se tal fato vem ocorrendo, é prejudicial ao manancial. De acordo com a legislação de saneamento, nas áreas não atendidas, as fossas sépticas individuais devem ser adotadas pelos moradores ou proprietários de imóveis como solução para destinação do esgoto. As ações de fiscalização necessárias à preservação do rio devem ser realizadas pelos órgãos ambientais competentes”, ressaltou, em nota, a concessionária.
O secretário de Agricultura e Meio Ambiente de São Sebastião do Passé, Marcelo Paranhos, contou que está sendo elaborado o plano de saneamento básico. No entanto, ele não soube informar quantas casas não têm esgotamento sanitário.
“Até o final deste mês, o plano estará pronto e vai dizer o que precisa”, afirmou. A cidade já tem problemas com o rio Jacuípe, que, segundo o secretário, está pior do que o trecho do Joanes que passa pelo município. “Precisa de recuperação. Está poluído e assoreado. Já o saneamento é uma situação que precisamos resolver”.
Inema alega impacto da agropecuária e silvicultura
A bacia do rio Joanes está submetida, segundo o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), a diversos tipos de contribuição antrópica. No terço superior da bacia, especificamente nos municípios de São Francisco do Conde (o primeiro município retratado na série de reportagens), onde está localizada a área de influência das nascentes, e em São Sebastião do Passé e Candeias, os conflitos estão, ainda segundo o órgão, relacionados à atividade agropecuária e mais recentemente à silvicultura, com plantio de eucaliptos.
“Neste local também são encontradas explorações de gás e óleo bruto pela Petrobras”, ressaltou, em nota, o instituto. A TARDE procurou a Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta.
No conjunto de ações realizadas na APA Joanes-Ipitanga, o Inema destacou o atendimento de denúncias de impactos ambientais, a realização de reuniões periódicas com o conselho gestor da APA, além de iniciativas em pontos específicos da região.
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